*Matéria Publicada originalmente em 19/01/2009 no Jornalja.
Pode ser difícil arrumar um companheiro. Dar certo se ambos vêm com o pacotinho completo, ainda mais. Agora, imagine o quase impossível que é botar quatro integrantes de uma família recém formada rodando por 21 dias dentro de um Passat ano 1986.
A idéia era sair de Porto Alegre e chegar até a Patagônia argentina, durante as festas de final de ano. Parece uma missão impossível? Carlos Stein, 48 anos, sua filha Marina, de sete, Naida Menezes, 40 anos, e seu filho Thales, de 13, encararam tal viagem – no tal Passatão.
O destino era o Estreito de Magalhães. A grana disponível estava contada. A mochila virou armário, uma bandeja, a mesa em que preparavam parte das refeições. Na segunda semana, Marina perguntou: “Por que o almoço tem que ser sempre sanduíche?”. A resposta à enteada foi: “Está vendo algum fogão por aqui? (risos)”.
O Passat, ao final da viagem, depois de várias manhas que fizeram a expedição ter outros rumos ou ritmos, do pneu furado a uma peça que não existia em lugar algum para ser trocada, virou quase um ser humano. “Agora ele está lá, descansando”, diz Carlos.
A família saiu da capital gaúcha, cruzou o Uruguai e chegou em Buenos Aires de Buquebus, navio que faz transporte de passageiros e carros de Montevidéu até a capital argentina. A ceia de Natal começou mais cedo porque as cerejas, pêssegos e peras destinadas ao jantar não passaram no controle fitossanitário da entrada da Patagônia. Como a regra era não desperdiçar, viraram lanche da tarde.
Na Argentina, desceram pela Ruta 3. Entre Bahía Blanca e Viedma está o Rio Colorado. Abaixo dele, está a Patagônia. Marina ficou encantada ao ver milhares de pingüins reunidos em Punta Tombo. Neste parque, onde em cada arbusto mora uma família de pingüins, a temperatura alcançava 40 graus. Para chocar seus ovos, eles procuram o calor. Passando Comodoro Rivadavia, o barulho dos ventos nas bombonas de água e gasolina que estavam no teto era tão forte que pararam em uma borracharia achando que o carro estava com problema nos rolamentos.
Cada vez mais ao Sul do Sul, no Estreito de Magalhães, o Passat ficou com as duas portas amassadas pelo vento. Além disso, o carro, estacionado em um lugar plano, mas sem o freio de mão puxado, foi deslocado. Nesta região, não se vêem casas em cima dos morros, como seria natural para procurar a melhor vista, mas nas baixadas para se proteger da ventania.
Subindo pela Ruta 40, Naida ficou admirada com o Glaciar Perito Moreno. Do mirante em que estavam enxergavam um paredão de gelo de 60m de altura com quase 2,5km de largura. Em El Calafate, a família comeu a fruta de um arbusto espinhoso que tem o mesmo nome do local. Há uma superstição que diz que todos aqueles que comem calafate, retornam. Carlos comeu na primeira vez que foi. Este ano, lá estava ele de volta.
Thales se impressionou com a imensidão dos Andes, no mirante que dá para o Monte Fritz Roy. Passaram o Ano Novo em El Chaltén. O albergue em que estavam tinha turistas de vários lugares, entre eles, espanhóis, alemães, italianos. Cada grupo comemorou segundo o horário do seu país, ou seja, a virada foi festejada muitas vezes. A ceia contava com frutas, bolos e vinho, nada de banquetes. Mas o que não teve preço foi aquela torre de babel cantando junto “I will survive”. Pelo menos a família em questão sobreviveu.
A opção preferencial por albergues se deu porque, além de ser mais barato, têm cozinha para fazer almoço. Há outras possibilidades de hospedagem mais em conta, como residencial, hostel, hostal e albergo. Só cuidado para não pedir para dormir em um “Residencial dos Abuelos”, pois pode tratar-se de casa geriátrica. Não ter lugar reservado para dormir dá liberdade, mas pode trazer alguns inconvenientes. Marina, por exemplo, às vezes dormia antes de terem conseguido encontrar um local para pernoitar.
O plano era ir até o Vulcão Lanin, mas a rota teve que ser mudada por causa da outra bucha de suspensão do carro que estragou. Em Bariloche conseguiram improvisar uma solução. Apesar deste contratempo, Carlos realizou um sonho ao cruzar com o Rally Dakar, em Neuquén, sem que nada disso fosse planejado. Desfilaram junto com as motos, triciclos, quadriciclos, side-cars, carros e caminhões. Marina abanava para todo mundo. “Nunca achei que eu ia me divertir tanto”, disse ela.
Como férias para crianças e adolescentes sem água não é férias, perto de Bariloche fizeram uma das tantas paradas para um banho. Esta foi no Lago Mascardi, formado por água de degelo.
A lição número 1 para a gurizada foi a gentileza. Sem ela, não se resiste a uma média de 470km diários com tanta diferença de idade no banco de trás de um carro sem mordomias. A palavra foi onipresente nas conversas durante a viagem, tanto usada positivamente como ironicamente: “Deixa eu guardar essas coisas na tua mochila?”, pergunta Thales. “Não!”, responde Marina. Ele retruca: “Quanta gentileza…”. Ou então: “Pode escolher a cama”, diz ela. “Que gentileza!”, responde ele.
Para entreter a gurizada durante tantos quilômetros, músicas animadas, desenhos, jogos de “stop” (lembram disso? aquele que só precisa de um papel e uma caneta, uma letra é escolhida e temos que completar uma série de categorias com coisas que comecem com tal letra), e uma adaptação do jogo Imagem e Ação.
Quem se interessar por fazer o mesmo roteiro, deve planejar a viagem com mais dias, dizem os aventureiros. Viajar com mais carros junto pode diminuir bastante o estresse. Levar barraca também pode ser uma boa idéia, já que há vários locais para acampamento no caminho e diminui o custo da viagem. Fora isso, atenção nas placas, uma caixa de ferramentas completa e bastante sorte para que não dê problema no carro em uma estrada de chão deserta, às 23h, também ajudam.
As vantagens de fazer esse tipo de viagem com um Passat velho? “Não houve nenhum problema que eu não pudesse dar pelo menos uma tapeada para seguir viagem. Numa outra ocasião em que rodei com amigos quase a mesma distância com seis Land Rovers, cinco quebraram”, conta Carlos.
Além disso, não sofremos achaque da polícia argentina. Já nesta viagem anterior, com carros 4×4, em todos os postos policiais tinham que desembolsar alguma coisa. Tampouco passaram por rígida inspeção. Esqueceram do kit de primeiros socorros, mas isso nem foi exigido nos postos de fiscalização.
Os pais de Marina e Thales acreditam que depois dessa viagem, eles devem conseguir resolver qualquer problema mais facilmente, além de melhorar o desempenho nas aulas de geografia.
Percurso aproximado:
comentários na página no Jornal já:
Marcio:
Show de bola parabéns continuem assim!!!

Fabiano:
Eu tenho um e garanto, é muito bom!!!
Praião carregado, cinco pessoas e mais rebokão carregado até o talo e vai embora.

Francisco:
Pô! Vc é mesmo corajoso! Isso é o que eu chamo de Gaúcho Macho!!!!
Estou indo de Porto Alegre para Natal neste mês, com um fiesta 1.6 e tenho receio de dar algo errado com a mecânica do carro! Fiquei encorajado com sua viajem… Parabéns…

Ingo:
Parabéns pela viagem / aventura e também por quebrar paradigmas: “só carros novos são confiáveis”.

Carlos Henrique Miller:
Legal mesmo, parabéns…o meu desejo também é conhecer a cordilheira dos andes, eu vou mesmo, e aonde eu passar irei levar a palavra de Deus, pregar o evangelho mesmo. Abraço


junim:
nossa!!! de fato essa aventura me fez desistir de vender meu passatinho 1979. q desde quando eu o tenho a 6 meses nunca me deu um problema, q seja assim aventureiro , ainda seirei assim , abraços
junim!!-sp-

Faço minhas muitas das expressões acima expostas! Parabéns pelo espírito de aventura e coragem! Muito bacana vs experiência! Continuem animados/as! Força na rodada!!! Abjçs a todos/as!!!

wesley:
parabens pela aventura, muita coragem mesmo, meu pai tinha um passat desse, se eu soubesse o quanto ele era bom assim, não teria deixado ele vende-lo. Sempre quiz fazer umas aventuras assim, mais me falta coragem e confiança, rsrsrsrsr

Edilson:
Olá Carlos, Marina, Naida e Thales
Foi difícil ler o relato ateh o fim sem pelo menos me emocionar duas ou três vezes … temos um Passat 86 verde que costumo chamar de “renda” devido a tantos podres que há na lata. Porém toda vez que penso em me desfazer dele dá uma pena danada e me lembro de como ele foi “corajoso” no passado e participou na história da família. Ele passou + ou – 3 anos encostado. Um dia carreguei a bateria , coloquei um pouco de gasolina direto carburador e bati arranque … ficou virando na lenta, te mete!!!! Eh o apego é grande … soh quem dirigiu um Passat sabe do que falo.
Prabéns pela linda família, imagino como os “guris” realmente se aproximaram depois dessa grande aventura … estranho … falo com vocês como se já os conhecesse há muito tempo … talvez seja o espírito de eventureiro aflorando. Um beijo grande para cada um de vocês, felicidades. Ahh me mandem mais fotos do Passat … edilson.moreno.web@gmail.com

paulinho sampa:
q legal a viagem de vcs! gostaria de ter feito o mesmo com o meu, porém o meu é a alcool e isso não existe na terra dos hermanitos. Infelizmente estou me desfazendo do meu do mesmo ano e modelo, mas por um bom motivo afinal a partir de agora só andarei de bicicleta! (ainda não tenho familia…) Fiz são paulo bahia 3 anos atrás e concordo com vc, quanto a resistencia desse carro! Me diga uma coisa: os emblemas são originais? estão na posicão exata? obrigado, abraço!

Marina:
Oi!
Sou eu, a Marina da família. Foi muito legal.
Nem consigo mais lembrar de todos os hoteis que ficamos, foram taaaaaaaantos!!!!!!
Brincávamos de stop mesmo, é bem legal!!!!!!!!

Eduardo Borges:
Acompanhei esse relato por fotos a uns anos atras e hoje procurando sobre achei essa matéria. Fiquei surpreso ao descobrir que a família também é Gaúcha, sou de São Lourenço do Sul e proprietário de Passat. Hoje tenho um grande sonho de ir rodando até o Chile da que alguns anos, com meus velho Passat sendo que tudo começou com esse belo relato de vocês. Obrigado!


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